Um dia
antes de deixar a liderança da Igreja Católica, o papa Bento 16 fez na manhã
desta quarta-feira um discurso em que admitiu que enfrentou 'águas agitadas'
durante os oito anos de seu papado.
Falando para dezenas de milhares de pessoas na Praça de São Pedro, no Vaticano,
em sua última audiência geral semanal, Bento 16 disse que seu papado foi um
'fardo pesado', mas que foi guiado por Deus e sentiu sua presença 'todos os
dias'.
'Senti-me como São Pedro com seus apóstolos no Mar da Galileia', afirmou o
papa, em referência a uma história bíblica em que Jesus Cristo teria aparecido
para discípulos nesse local.
Bento 16 deve deixar a liderança da Igreja Católica nesta quinta-feira -
tornando-se o primeiro papa a abdicar desde o século 15. Seu sucessor será
escolhido em março.
Mais de 50 mil ingressos foram distribuídos para o público interessado em
acompanhar o evento, mas outros milhares de 'sem-ingresso' se acotovelaram nos
arredores da praça para poderem se despedir do pontífice.
Durante o inverno europeu, as audiências gerais do papa às quartas-feiras são
normalmente realizadas em um auditório fechado, mas o Vaticano transferiu o
evento desta semana para a praça diante da expectativa de um grande público
presente.
Limpando gavetas
O papa deve passar a tarde desta quarta-feira 'limpando suas gavetas'. Segundo
o porta-voz do Vaticano, padre Federico Lombardi, Bento 16 está analisando
documentos para verificar quais são de natureza pessoal, quais farão parte do
arquivo de seu período à frente da Igreja e quais ele deixará para o próximo
papa.
Na quinta-feira, a agenda de Bento 16 prevê um encontro pela manhã com os
cardeais que já estão em Roma para a eleição do novo papa, esperada para as
próximas duas semanas.
Entre os cardeais presentes deverão estar dom Raymundo Damasceno Assis, dom
Odilo Scherer, dom Geraldo Majella Agnelo, dom Cladio Hummes e dom João Braz de
Aviz, os cinco brasileiros esperados entre os 115 membros do conclave que
elegerá o novo papa.
Às 17h de quinta-feira (13h de Brasília), Bento 16 deixará o Vaticano, de
helicóptero, em direção a Castel Gandolfo, residência de verão do papa a cerca
de 25 quilômetros ao sul do Vaticano.
Lá ele deverá fazer uma última aparição pública, da janela da residência, antes
de deixar formalmente o cargo às 20h (16h de Brasília).
O cerimonial prevê que nesse horário os membros da Guarda Suíça, que acompanham
o papa, deixarão seus postos para marcar oficialmente o fim do papado de Bento
16 e anunciar que seu cargo está vago.
Segundo
anunciou o Vaticano na terça-feira, Joseph Ratzinger manterá após a renúncia o
nome de Bento 16, adotará o título de 'papa emérito' e continuará a ser chamado
de 'Sua Santidade', tratamento reservado apenas aos papas.
Eleição
Apesar da expectativa do público com os eventos dos próximos dois dias, grande
parte das atenções já estão voltadas para a escolha do novo pontífice.
'Espero que o próximo papa seja mais carismático que o atual. Acho que a figura
de Bento 16 foi meio apagada, principalmente depois de João Paulo 2º, que
realmente tinha uma empatia maior com o publico', disse o turista espanhol
Antonio Calcinas, de 53 anos, enquanto passeava pela praça de São Pedro nesta
terça-feira.
Como um de seus últimos atos à frente da Igreja, Bento 16 modificou as regras
para a realização do conclave, a reunião de cardeais que elegerá o novo
pontífice, para permitir que ele aconteça antes dos 15 dias após a vacância do
cargo, como determina o direito canônico.
Segundo a determinação de Bento 16, os cardeais eleitores poderão escolher
quando começar o conclave, desde que todos já estejam na cidade.
Espera-se que o conclave seja iniciado por volta do dia 10 de março, para
permitir que um novo pontífice seja escolhido e instalado a tempo de comandar
as celebrações de Páscoa no Vaticano, no fim do mês.
O número exato de cardeais que participarão do conclave ainda parece incerto,
após o cardeal escocês Keith O'Brien renunciar na segunda-feira ao cargo de
arcebispo de St. Andrews e Edimburgo em resposta a acusações feitas no fim de
semana sobre 'atos impróprios' supostamente cometidos por ele contra padres nos
anos 1980.
O'Brien manteve o posto de cardeal e poderia participar do conclave, mas
anunciou que se absterá de participar para não desviar as atenções da mídia
sobre a escolha do novo pontífice.
Com a decisão de O'Brien, cresce a pressão para que cardeais acusados de
acobertar escândalos de abusos sexuais cometidos por sacerdotes, como o
arcebispo de Los Angeles, Roger Mahony, ou o cardeal primaz da Irlanda, Seán
Brady, também se abstenham do conclave.
Outro cardeal-eleitor que já anunciou sua ausência do conclave é Julius
Darmaatmadja, chefe da Igreja Católica na Indonésia, que alegou problemas de
visão que o impediriam de participar.
E o cardeal ucraniano Lubomyr Husar, arcebispo emérito de Kiev, deve perder o
conclave por uma questão de dias - ele completou nesta terça-feira 80 anos, a
data limite para que os cardeais participem da eleição.
Informações da BBC Brasil