sexta-feira, 16 de março de 2012

A IGREJA E OS ARTISTAS



Há que se distinguir ente a arte e o artista e entre artistas e artistas. Não pode haver carimbos. Se não gostamos quando generalizam a nosso respeito, como se todos os pregadores da fé fossem santos ou pecadores, não há porque confundir a mídia, o palco ou as telas com os indivíduos que ganham o pão interpretando a vida. O povo às vezes os idolatra, sobretudo quando mostram compreender e interpretar situações humanas, seja cantando, tocando, seja atuando, seja escrevendo.


Se pregar é um sacerdócio, atuar também é. Pode não ser sacerdócio ministerial atrelado a uma igreja, mas se a vida é sagrada, então quem a interpreta e o povo se emocionar e pensar vive um sacerdócio. Mesmo quando é ateu, o artista eleva as almas. Em geral eleva! Um violinista pode nos levar às lágrimas.
Existem os reles, os escandalosos, os vazios e despreparados, os deslumbrados, produtos de marketing irresponsável e vitimas de holofotite aguda que não merecem o título de artistas? Que o povo os julgue! Reles, vazios, exibidos e doentes de excesso de auto-exposição também os há entre os religiosos. Aqui e lá há os maus intérpretes. Mas concentremo-nos nos bons, que são muitos, muitíssimos, desde o comediante de pequenas companhias circenses, ao mais renomado ator de filmes e peças em destaque.


Conheço alguns deles, muitos dos quais bem casados. Encanta-me sua maneira de interpretar a vida no palco, na tela e no cotidiano. Se no palco personificam, no lar e na comunidade, exemplificam.


Há aquele ator casado há quarenta anos em segundas núpcias. A primeira não deu certo, mas ele aprendeu a não sofrer e a não fazer sofrer. A segunda união é estável e cheia de gestos maduros. Há a atriz casada com o primeiro amor de sua vida. Ele não é das artes, mas os dois vivem um amor sólido, rodeado de filhos e netos. Ela sabe o que representar no palco e escolhe cuidadosamente os papéis para que  marido e filhos não sofram confusão por conta dos seus papéis.


Há os artistas de oração diária e de missa dominical. Conheço vários deles. Um desses casais brinca comigo quando vê, na missa ou na televisão, um padre atuando e presidindo mal. Sabedores do que lecionei por trinta anos e escrevo há vinte, sugerem que pregadores aprendam a usar do corpo, dos olhares e das mãos, sem perder a compostura de homens do sagrado. Não seria nada mau chamá-los para dar um curso a pelo menos cinco mil pregadores da fé… Precisamos daquela sensibilidade que conquista o povo, sem posarmos de artistas, que não somos.


Enfim, se o papa e os documentos da Igreja valorizam a contribuição dos artistas ao mundo e os vê como humanizadores e educadores do sentimento popular, concentremo-nos nos bons. Não é porque há novelas de mau gosto, peças que achincalham e debocham, pornografia escancarada que enfiaremos todos os artistas num palco e os julgaremos com sentenças coletivas.


Eles, os sensatos, não fazem isso conosco. Sejamos sensatos e respeitemos os artistas de conteúdo. São milhares. Assim como sabemos distinguir entre o auto-proclamado pregador que não estudou o suficiente para subir naquele púlpito e interpretar a Palavra de Deus e a vida; se distinguimos  entre eles e os sérios e profundos; façamos o mesmo com relação aos artistas. Escritores, diretores, cantores, cantoras, atores, músicos, atrizes, bailarinas ou dançarinas, prestemos atenção aos que vivem a arte como sacerdócio.


Uma das palestras mais bonitas que ouvi foi de um casal com quarenta anos de vida artística. Naquela noite semearam sensibilidade, cultura e beleza com sua vocação de intérpretes da vida. O auditório inteiro chorou depois de um diálogo dos dois. Aquilo foi um culto! E ela era católica e ele agnóstico! Mas os dois sabiam o que é tocar um  coração humano! Oremos pelos artistas. Não é caminho fácil!


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